Thursday, 21 November 2024

O ‘jaera’ do Canarinho

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A coluna Lendas Urbanas é uma iniciativa editorial com a missão de homenagear os nossos antepassados, avós, pais, vizinhos e amigos que conhecem ou ouviram falar de causos, estórias e lendas que marcaram o imaginário popular. Quem nunca dormiu (ou revirou a cama a noite inteira!) com umas histórias dessas? Quem nunca ouviu os avós contando certo causo na sala da casa ou em volta de uma fogueira? Quem nunca ouviu numa pescaria, ao acampar com amigos ou numa divertida viagem, estórias que fizeram arrepiar? Atire a primeira pedra quem garante nunca ter ouvido nada disso.

O imaginário popular é rico em criatividade e valorizar essas manifestações do pensamento popular é respeitar a identidade cultural de um povo. Verdade ou não, mito ou fantasia da imaginação, o nosso objetivo aqui é celebrar a cultura popular, a riqueza do folclore brasileiro e a criatividade de um povo. Não faz parte da nossa equipe (nem de ninguém!) julgamentos pré-concebidos, desvendar o que é fato ou ficção, buscar respostas fidedignas ou comprovação científica para tais relatos do imaginário popular. A nossa missão é celebrar a cultura de um povo, a riqueza da linguagem popular, o orgulho da identidade que nos une e transforma-nos em seres humanos melhores.

O causo de hoje é narrado pelo trabalhador rural J.S.C., 58 anos, morador há 38 anos de Pedro Canário (ES). O ano era 1986 e o Bairro Canarinho, segundo o contador de estórias de hoje, era aterrorizado pela lenda de uma criatura medonha: um carneiro ou bode (os moradores não sabem ao certo), com olhos grandes e vermelhos e vagava pelas ruas da cidade sempre nas madrugadas.Os uivos da criatura lembravam, conta J.S.C., o gemido de uma pessoa em estado de sofrimento e as pegadas no chão eram certas no dia seguinte. “Era só acordar bem cedo para vadiar pelas ruas da cidade que você certamente encontraria marcas de um pé de bode em quase todos os cantos da cidade”, conta.

A criatura ficou tão famosa que ganhou até nome. Os moradores o conheciam como ‘jaera’, apelido que foi dado por um grupo de amigos que insistiam na captura do animal desconhecido e sobrenatural. Nas portas de bares ou nas esquinas do bairro, os mais velhos eram unânimes: mais cedo ou mais tarde, o ‘jaera’ faria mal a alguém daquela vizinhança e deveria ser detido. Com armas ou orações.

Certo dia, no auge dos anos 1980, um grupo de corajosos decidiu encarar a criatura medonha. Organizaram uma tocaia regada a comida, bebidas, uma fogueira gigante (era época de São João) e algumas ferramentas – na tentativa de golpear a criatura. Os corajosos foram noite a dentro munidos ainda de cantigas, apostas em dinheiro para quem capturasse o bicho e muita resenha. Por volta das 2h da madrugada, como conta J.S.C, em uma das noites que se aventurou a esperar o bicho ao lado dos amigos, era possível ouvir gemidos sobrenaturais em ruas distantes do bairro, capazes de estremecer o chão. Ele garante que, à época, era um dos poucos sóbrios do grupo. Ele não consumia bebida alcóolica devido à religião que seguia.

Apesar de muito medo, onde os gemidos da criaturapareciam cada vez mais perto, o grupo de amigos ficou de tocaia por horas, à espera de capturar a criatura mais falada nos anos 80. Entretanto, naquela fatídica noite, o ‘jaera’ não quis dar o ar da graça e deixou todo mundo na vontade.Há apenas relatos de antigos moradores que, ao vigiar pela fechadura da porta ou fresta da janela, afirmam ter visto certa noite criatura parecida com um carneiro ou bode, olhos fumegantes e caminhar arrastado pelas ruas da cidade. De acordo com J.S.C., o grupo foi acompanhado ainda a madrugada inteira por uivos de cães na vizinhança. Uma espécie de presságio sobre a suposta presença do mal.

Diante do exagerado consumo de bebidas alcóolicas e o raiar do dia, conta, uma parte do grupo terminou a madrugada embriagado e quem estava sóbrio encarregou-se de guardar tudo e ir dormir. Conta-se que diversas pessoas tentaram por anos capturar o ‘jaera’, mas nunca tiveram êxito na empreitada, valendo-se apenas dos boatos na cidade.O que restou foi apenas a estória como motivo de resenha e gozação em bares e rodas de amigos.

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